A violência sexual é uma violação de direitos humanos, que na lei brasileira é definida pelos crimes descritos no capítulo de crimes contra a liberdade e a dignidade sexual do Código Penal brasileiro. Quando cometida no âmbito doméstico, a violência sexual também é considerada um dos cinco tipos de violência abarcados pela Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006).

De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o número de estupros em 2018 foi o maior já registrado, alcançando a marca de 66.041 registros, o que equivale a mais de 180 estupros por dia. Em 93,2% das notificações a violência foi cometida por uma única pessoa e em 96,3% o autor da violência era um homem, ao que as vítimas eram majoritariamente mulheres, em 81,8% dos casos. Em mais de 53,8% as vítimas eram meninas de até 13 anos, sendo 50,9% negras e 48,5% brancas. Isso significa dizer que 4 meninas de até 13 anos foram estupradas por hora no Brasil em 2018.

A principal característica da violência sexual é a ausência de consentimento da vítima, ou seja, o agressor pratica ou tenta praticar atos sexuais usualmente mediante o uso de ameaça ou violência, contra a vontade da vítima.

Sobre o consentimento importante lembrar que o silêncio ou a ausência de negativa expressa não são sinônimos de consentimento. Por exemplo, não é porque uma adolescente não gritou ou permaneceu em silêncio durante um ato de violência que ela esteja anuindo ou permitindo que a violência seja cometida. Tampouco uma mulher adulta desacordada ou sob efeito de drogas ou álcool, já que ela não possui naquele momento possibilidade física ou capacidade cognitiva para anuir ou negar o ato sexual.

Apesar dos dados de violência sexual já serem alarmantes por si só, historicamente, o crime de estupro tem baixa notificação: poucas mulheres denunciam seus agressores paras as autoridades. Em parte, por medo de retaliação por parte do agressor, e pelo medo do constrangimento e julgamento da sociedade, que muitas vezes culpaliza a mulher pela violência que sofreu, buscando no comportamento da vítima justificativas para o ocorrido, e, principalmente pela falta de confiança nas instituições. Segundo a pesquisa do Fórum, apenas 7,5% das vítimas de violência sexual no Brasil notificam a polícia — percentual que varia entre 16% e 32% nos Estados Unidos.

De acordo com o Código Penal brasileiro, as violências sexuais englobam os seguintes crimes:

  • Estupro: Obrigar uma pessoa, por meio de violência ou grave ameaça, a ter relações sexuais ou a praticar ou permitir que com ela se pratique outro ato sexual. Para ser configurado como estupro é necessário que o autor do crime empregue violência ou grave ameaça, como, por exemplo, obrigar alguém a se masturbar na webcam sob a ameaça de vazar suas fotos íntimas ou segurar os braços e/ou pernas da vítima de modo a impedir que ela tente ou consiga fugir. No âmbito doméstico da Lei Maria da Penha, destaca-se o estupro cometido pelo marido (estupro marital) como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força.
  • Importunação sexual: Praticar contra alguém e sem a sua anuência atos com intenções sexuais com o objetivo de satisfazer o próprio desejo ou o de terceiro. Esse crime, um dos mais recentes na lei brasileira sobre violência sexual, não precisa ter violência ou ameaça para ocorrer; basta ser sem o consentimento da vítima. Um exemplo desse crime é quando um homem ejacula em uma mulher no transporte público ou quando a toca em partes íntimas, na rua ou no seu trabalho, sem sua autorização.
  • Violação sexual mediante fraude: Ter relações sexuais ou praticar outros atos sexuais com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima. É o caso, por exemplo, dos médiuns, guias espirituais, médicos etc. que praticam atos sexuais enganando a vítima como se fossem necessários para o tratamento ou para o ritual religioso.
  • Registro não autorizado da intimidade sexual: Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes ou realizar montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual de caráter íntimo. Um exemplo muito comum desse crime é quando o homem decide gravar a relação sexual sem a autorização e ciência da mulher.
  • Divulgação não autorizada de imagens íntimas: Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou internet -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia. Um exemplo, infelizmente clássico, é quando o ex divulga fotos íntimas que a parceira lhe mandou durante o relacionamento.
  • Estupro de vulnerável: Ter relação sexual ou praticar outro ato sexual com menor de 14 anos ou com alguém que, por doença ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. Note que o estupro de vulnerável não precisa de violência ou grave ameaça para ser caracterizado como estupro; apenas o fato de manter relações sexuais com alguém menor de 14 anos ou que por algum motivo, como, por exemplo, estar desacordada por conta de bebida alcóolica, já é crime.
  • Estupro corretivo: Esse crime é um tipo de estupro cuja a motivação é controlar o comportamento social ou sexual da vítima. Mulheres lésbicas e pessoas trans são as principais vítimas desse crime, na medida em que seus autores alegam que devem corrigir a orientação sexual ou identidade de gênero da vítima por meio de um estupro.
  • Assédio sexual: Forçar alguém, por conta de sua posição hierárquica inferior, a práticas sexuais com o objetivo de obter vantagem ou favorecimento sexual, ou seja, no crime de assédio sexual é necessário que haja uma relação hierárquica entre agressor e vítima e que o agressor se utilize de seu poder para ter algum benefício sexual às custas da vítima e contra a sua vontade. É um crime muito comum em ambientes de trabalho (chefe contra funcionária) e escolas (professor contra aluna) e também é conhecido por assédio sexual por chantagem.

A violência sexual abarca, portanto, uma série de condutas criminosas que não se restringem exclusivamente ao estupro. Se você sofreu um abuso sexual, ainda que tenha sido na infância, procure ajuda! Romper o silêncio e falar sobre o trauma é o primeiro passo para superá-lo. A culpa não foi sua! Peça ajuda, procure uma advogada. Você não está sozinha!

Categorias: Maria da Penha

Marina Ganzarolli

Marina Ganzarolli é advogada especialista em Compliance Cultural, Direito da Mulher e da Diversidade, atua com mulheres e LGBTs vítimas de violência há 12 anos. Cofundadora da deFEMde - Rede Feminista de Juristas. Doutoranda e Mestra em Sociologia Jurídica pela Faculdade de Direito da USP - Universidade de São Paulo. Conselheira Estadual e Presidenta da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB-SP. Pesquisadora do Núcleo Direito e Democracia do CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). Assessora especial para Direito LGBT da ABMCJ-SP (Associação Brasileira das Mulheres de Carreiras Jurídicas). Diretora Secretária do GADvS (Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero). Diretora Secretária da ABMLBT (Associação Brasileira de Mulheres Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transsexuais). Membra da Rede de Mulheres LBTQ. Cofundadora do Coletivo Feminista Dandara do Direito-USP, primeiro coletivo feminista em uma faculdade de direito do Brasil, fundado em 2007. Indicada em agosto de 2019 ao voto popular de liderança feminina do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável). Foi bolsista do MEC pelo programa PET Sociologia Jurídica, o primeiro PET (Programa de Educação Tutorial) do Brasil e de IC (Iniciação Científica, sobre a Representação da Vítima na aplicação da Lei Maria da Penha) pela FAPESP, da DAAD (Serviço Alemão de Intercambio Acadêmico) em Fundamentos do Direito Alemão na Ludwig-Maximilians-Universität em Munique, Alemanha (graduação sanduíche), e do Programa STUDENT LEADERS do U.S. Department of State na State University of Tennessee (UT) em Knoxville, EUA. Foi conselheira municipal (2013) nos conselhos: Conselho Municipal da Criança e do Adolescente (CMDCA/SP), Conselho Municipal de Assistência Social (COMAS/SP), Conselho Municipal de Drogas e Álcool (COMUDA/SP), todos do município de São Paulo. Foi assessora de gabinete na Secretaria Municipal de Negócios Jurídicos da Prefeitura de São Paulo (2013) e assessora de gabinete no Tribunal de Contas do Município (TCM-SP) (2014-2016).

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